segunda-feira, 24 de outubro de 2011

O Pingo do "i"

A menina ainda era menina, vinda duma parte do mundo que chamavam de fim e ela chamava de inicio. Mas era longe. Longe como bem o pingo. Longe como o pingo no "i", o que é muito mais longe do que longe como bem o pingo da chuva. Pois vir de longe na letra é vir de longe na palavra, o que desemboca numa enroladura que pode se perdurar infinitamente. Já vir de longe na chuva era vir de longe no espaço, caminhar besta que rápido se chega.

A menina era de longe, do fim, do concreto, do mundo. Ela vinha dum mundo que não era mundo, que tinha um chão em que nao se pisava. No mundo, havia palavras, tantas letras, tantas grafias, era tal mundo assim, cheio de conceitos. Um tal mundo de ideias. Um tal mundo que era mundo, mas imaginário. Não de Platao. De Platoua. Ou sem nome. Isso, era um mundo sem nome algum, um não-lugar, ou um lugar em excesso.

Era começo de primavera, mas neste lugar de mundo de fim de espaço não havia chuva, não havia umidade. Havia secura. E, em secura amarga, a menina s'alfabetava. Perdurava-se no alfabeto. AAAAAAh, Bêêêr, Cêêêê. Ela gritava. Ela falava. Ela entendia. E brincava. Aprendia-se do alfabeto. Desenhava estas letras. A. B. C. Demorava-se em cada uma delas. D. E. F. Mordia a língua, assustada com estas linhas tão retas. Tortuava-las artisticamente. G. H. I. O "i", um pingo.

Parou-se, a menina. Deparou-se com um pingo, em meio de tantas securas. Deparou-se com uma certa umidade que podia ser seguida de tantas outras. Tal gota foi como um canto de pássaro permeando o silêncio. E decidiu escrevê-lo de novo. Escreveu. Reescreveu. Fez um I sem gotas, um 'i com duas gotas, um i: com três gotas. Um "i" meio chuvoso.

E sentiu-se um pouco chuvosa, nestes tantos i's neologisticos. Parou-se. Pensou-se. Passou as mãos pelos seus cabelos longos. E com o cair de um fio de cabelo, pulou-se uma idea. Pegar estas letras todas. Pegar estes i's e as alfabetizações. Num conta-gotas.

Percorreu até acha-lo. Quantas gotas caberiam ali. Quantas palavras. Quantas ideias. Quantos cabelos. Quantas garoas. E a menina passou a recolher grafias. Recolhia as vogais, de pés descalços. Para recolher consoantes, se calçava. Recolhia as tintas 'a toa dos pingos dos i's. Gotificava o alfabeto. E nudificou o I de seu pingo.

E ao perceber o conta-gotas cheio de gramáticas, se empolgou com as falas, perfurou o silêncio. Precisava de contar estorias. Precisava se refrescar da secura. Precisava de serventia para aquelas gotas todas. E foi então que as bebeu, as virou todas duma vez. Como num banho. Como numa chuva. Como numa gotificação intensa. E falava feito doida. Perambulava em conversas, soltava as falas todas. Aquelas gotas aguaficavam sua garganta, davam espaço pra estoria, faziam estradas de letras.

E descobriu, então, que as palavras serviam era para refrescar securas.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Perdidices

Eu queria ainda perder os medos,
as palavras,
os anseios.

Eu queria, um dia, perder segredos,
Ensinos,
os erros.

Quereria, mais: perder a rima.
Perder a métricca
.
.
.

Podia querer perder palavras,
exaurir as letras -
gramáticas.

Iria além, perderia o tudo,
perderia o nada,
a angústia, forçada,
por estas tantas
besteiras
cotidianas.

Quereria perder ainda os limites,
a vontade contida,
o medo da morte
a perda perdida.

E, quem sabe, então,
perder
a vida.