segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Tuas Pausas

Cada pausa da sua fala pro cigarro é pra mim um alívio, um espaço que sobra pra eu poder te escutar. É que eu prefiro escutar os teus silêncios do que as tuas palavras. É que só o teu silêncio tem tido sensibilidade ultimamente. E gosto de escutá-los, prefiro escutá-los do que qualquer coisa que você tem dito nos últimos tempos.

Eu vejo tua boca mexer, enquanto silencio os meus ouvidos. Seus lábios são bonitos, sempre foram, dá vontade de mordê-los, mastigá-los. Presto atenção na tua voz, no teu timbre, pra tentar não entender as letras. Grave. Queria poder um dia, no passado, queria ter podido cantar contigo.

Eu não entendo por quê você ainda quer conversar. Assim, sobre a gente, sobre a nossa relação, sobre o que se passou. Você remói, você tem remoído tudo, cada palavra, cada expressão, e eu não entendo o porquê de se remoer tanto, de se enraivezar, de se roer as unhas até comer os dedos, e pedir explicações. Nem tudo se explica, é o que tenho tentado te dizer. É isto, acho que é isto que tem passado com você: você tem ganhado razão e perdido sensibilidade.

As últimas coisas que eu escutei de você nesta conversa foi, a gente se tem. E são só estas mentiras que você tem dito. A gente não se tem. Eu te amo, eu já te amei muito, mas a gente nunca se teve. Eu nunca tive ninguém. E vou passar minha vida inteira sem ter ninguém. E tomara, eu espero, que ninguém nunca me tenha. E que eu ainda ame muito, pois ainda há muito a se amar. Sempre há.

Enquanto você fala, enquanto eu não te escuto, eu acendo um cigarro para te acompanhar. E, antes de você se levantar e sair, ou se enraivezar por eu não te escutar, e jogar o celular na parede, e soltar lágrimas as quais eu não quero enxugar, eu vou apenas soltar toda esta fumaça. Sem engolí-la. Apenas para sair do hábito.Apenas pra te soltar. Porque chega, já basta de te tragar.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Faroeste Caboclo

Foi um dia um pouco pesado, aquele. Um pouco pesado por ser muito dia, por ser muito ele, por ser tanto forte. Cheguei lá, e pus os meus pés em terra. Terra mato, terra verde, amassada por tantas mãos. De um lado, tratores. Do outro lado, tratantes. E nós, encurralados, em canto nenhum, apenas permeando com o nosso grito pelo silêncio. Nossos passos eram a negação do pretérito, nossa fala era a expectativa do futuro do presente, e nossas ideias não tinham espaço nem cronologia, ainda estavam meio perdidas nas gramáticas correntes.

E vi ali, aqueles homens chegando, com uma postura impecável, e olhos escondidos por trás de capacetes. Mãos escondidas por trás de cacetetes. Discursos escondidos por detrás de surras e pancadaria. Aqueles homens, eles estavam todos fantasiados, e dentro destas fantasias, esqueciam - esqueciam que eram gente. Esqueciam que batiam em gente. Porque ali o mundo deixava de ser mundo, e virava campo de batalha. E eles passavam a ser soldados. Alguém mandou, alguém os mandou bater. E bater era um trabalho. O trabalho era a veemência, o martelo era a coacção.

Conosco, perdidos no meio desta terra toda, estavam pintados os nossos. Com flechas e arcos, com sangue nos olhos. Neste dia, vi de longe o Santxiê, de passos apressados, seus olhos corriam de um lado pro outro. Parei-me um pouco nesta luta, peguei a minha câmera e me aproximei.

Cheguei mais perto, enquadrei-lhe em meu olhar, e fotografei sua tristeza. Ao seu passo corrido, o segui, e fotografei o seu silêncio. Olhou para mim. Parou e deparou-se com as minhas lentes. E foi então, foi neste momento que consegui fotografar a raiva. A raiva o carregava, carregava-lo nas costas, e o derrubava seguidamente.

Encantada com aquelas imagens e indignada com estas imagens, percebi-me ali, no meio de um faroeste, com pioneiros em um canto, cowboys em outro, todos caboclos, armados de irracionalidade. No meio deste deserto, estávamos todos nós, desarmados, tentando lutar para não morrer de sede, com a voz seca e um nó na garganta, tentando fazer escutar a nossa palavra. Em nossa volta, aqueles homens todos, sendo mandados por outros Homens todos, que são mandados por alguns papéis verdes.

Por alguns papéis verdes. Impressão tosca. Brutalidade rude. Massacre emocional. Irracional. Ou tão bem pensado. No meio daquela guerra, eu vi que o Homem realmente não tem soberania. Não tem soberania nem pra ser um pouco mais Homem. Não tem soberania nenhuma pra ser um pouco, apenas um pouco mais mulher.

Huelga de los trabajadores (Mexico)

Un hombre,
em seu chapeu
ali tão tipico.
Em suas mãos
trabalhadoras.

Hidalgo,
Mangas rasgadas
,Blusa escurecida
,assim como
os seus olhos.

Trabaja,
de forma
-anti-poética,
(anti)pitoresca,
"anti"humana.

Pulquero,
O homem
se revolta,
se rebela,
engreveia.


El grevista,
no próximo mês
voltará a trabalhar,
com redução no salário,
com redução na comida.

El contratista,
reclama da greve,
“que manada de cerdos!”
enquanto fuma o seu charuto
,cubano.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Palavras menos Palavras

Queria saber escrever palavras. Queria mesmo. Palavras menos palavras. Palavras menos poéticas. Menos sentimento. Mais métrica. Para que voce entendesse, letra por letra, o que quero dizer, sem floreios. Não consigo. Tentei, tentei durante algumas horas. Sentei-me cá, há algum tempo. Escrevo. Apago. Levanto-me. Pego um cigarro. Reescrevo. E rasuro. Preparo um café. Perambulo pela casa. Escuto uma música. Eu realmente nao consigo. Eu realmente nao quero. A verdade é que te vejo, crua e nua, e ainda assim voce é toda enfeitada, toda palavras. Tuas curvas, tuas ideias, tua arte: tu és toda assim, poética.

Passou-se muita coisa, e eu me lembro de muito pouco. Tu costumava dizer que nao é que eu tinha uma memória ruim, mas simplesmente que eu era esperto. Esperto a ponto de esquecer-me de tudo que nao me interessava. E assim o era, talvez. Lembro do teu batom vermelho, ao mexer-se por cima, falando de Mahler, Tchaikovsky, Mozart e outras notas musicais. Lembro-me do teu gozo ao citar Vinícius, ao cantar Noel, a tocar Tom. Te lembro aos poucos, o teu cheiro, os teus dedos, teus anseios que eu nunca cheguei a entender, e em todo momento cheguei a aceitar.

Passou-se tanto tempo, e parece-me ainda que o nosso amor foi em outra vida. Hoje moramos um ao lado do outro, mas a centenas de metros de sentidos, e uma infinitude de espaço de palavras. Não nos falamos. E talvez por isto eu esteja ainda perdido com estas poucas palavras. Eu não sei o que dizer. Quero, apenas, que você me sinta. Não quero satisfações. Não quero discussões. Não quero conversar sobre o que aconteceu. Aconteceu. E as pessoas erram. Eu, você, e todos eles que a gente sempre criticou. Eu quero apenas que você pare, e me sinta. E destrua o monstro que você criou em você de mim. Tire todos os pesos da gente, e deixe que sejamos apenas nós. Nos deixe em silêncio. Nos deixe sentir-nos, ainda que 'a distância. E falemos, se precisarmos, falemos besteiras, não seriedades. A vida é importante demais pra ser levada 'a sério. Mas falemos, ainda que em silêncio. Pois eu ainda tenho muito a falar.

E te peço apenas que não me cale. Mas também não precisa me escutar.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Tecidos em gotas

Entro novamente no chuveiro. Aquelas montanhas de água me confortam. Delicadas. Respiro com dificuldade, e vou tentando buscar o ar em meio àquela umidade. Aquelas gotículas vinham de todos os lados, fortes, e quando caiam sobre mim, faziam seus percursos delicadamente, como pequenas partículas me contornando, sem nenhum objetivo, a não ser me contornar, em tantos traços, em pequenos pedaços, escrevendo sobre mim linhas tortuosas. Caíam pelas minhas costas, subiam pelos meus cabelos, como se me desenhassem uma casca, um contorno transparente, translúcido como elas próprias, por entre todo o meu corpo; um contorno que me causava cócegas, me causava ânsia, e cobria-me a me proteger. Aquelas gotas me cobriam como um amontoado de palha, formando em minha volta um ninho, cobriam-me como um amontoado de tecidos bordados em minha pele, e colorindo-me em transparencia; meus olhos se esclareciam, tornando-se embrião, e eu, às escondidas, sentia-me tecendo claritude, em meio a toda aquela escuridao dos confins da terra, escaldada em água, em gotas, tantas pequenas águas que me formavam um útero em volta, fiando-me à renascer. E eu sabia, eu já tinha certeza, de que ao me desgarrar daquele tecido, iria dessa vez pra longe daquele ninho, desprenderia-me de minhas roupas que me tinham sido escolhidas, da casa que me foi dada, dos sermões que me foram escritos para serem seguidos. Desprenderia de uma vez do amor que um dia tive, e que já não existia, pra tecer uma nova estória, deixando aquelas memórias vermelhas nas teias passadas, escrevendo letra por letra neologismos, junto com aquele pedaço de mim que se escondia em meu ventre. Uma filha.

O banheiro...

É felicidade o que me contempla ? É ansia ? É vontade, talvez.

(...) o banheiro é único.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Estendimento, Entendimento.

Ouço os meus passos -
ecoam em palavras,
espaços,
nadas.

Converso o meu silêncio,
Pavoro o meu medo,
a minha ânsia
da fala.

Me contrario em mim,
em ti, neles, em nós,
no mundo
no penso -
na voz.

Em meus exageros,
sem mesmo hesitar,
mastigo-me em pedaços.

Em minha antropofagia -
me, te, nos tomo.

E, ainda assim, me penso;
me paro; me vejo;
pisando em ovos
que nem mesmo como.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Quando o Mundo Plantou Bananeira

O dia em que o mundo mudou de lugar, foi neste dia. Lá na Biquinha, onde eu nasci, cresci, e achei que ia morrer. Até que veio este dia. Um dia meio aburrecido, meio cabreiro, dum jeito que todo mundo admitia que alguma mudança tava por vir. Talvez não pra todos, mas pra mim foi deste jeito e só.

Lá na Biquinha, interior dos interiores de Minas, a gente não tinha bem uma religião. A nossa religião era bem tudo que a gente acreditava, era o que a gente sabia que havia, que pensava certo. A nossa religião era saber que as folhas eram verdes, e que o céu era uma mistura de cores. A nossa crença era o mundo lá fora; era o quilo de melado que a gente comia 'as 6 da manhã, antes de começar a trabalhar no engenho; era a catapora. A gente sabia que o mundo era assim, deste jeito, e que os erros sempre existiram, desde a pré-história e, pois, sempre existiriam. Pois onde não tem erro, não tem acerto. E um mundo todo desacertado por ser certo, não havia espaço onde coubesse essa trambiqueira toda de cafusidão.

E a minha crença maior, a certeza inquestionável que eu tinha era apenas que o mundo acabava bem onde o Sol entrava. Era longe, isto eu sabia. E por isso sabia do tanto que eu ainda tinha pela frente de caminho. Ali, onde, no final do dia, as cores se misturavam, róseo, azul, amarelo, era bem ali que havia aquele ritual todo para a morte. Todos os dias alguém bem devia morrer e eu não sabia. E tinha dia que era gente tão importante, que o tal 'por-do-sol' se passava por espetáculo.

E foi então que chegou este dia. Eu já havia me tornado caminhoneiro, estava a caminho de Três Corações, cidade considerada pequena, mas que pra mim era grande, quando parei num canto pra dormir, me aconcheguei do lado de um posto, e ao ir pegar a comida do dia, esbarrei com um homem de olhos puxados. Dizia ser japonês. Achei bem que isso era nome. Pedro Japonês. E me explicou que não, que Japão era um país; e que diabos é país, hômi; e me veio explicando, toda a história que ele sabia, e eu pensando ser conversa fiada, mas foi me convencendo aos poucos. Dizia que o Japão era do outro lado da Biquinha. Como se se a gente furasse o mundo, cavasse um buraco na biquinha, e atravessasse o mundo inteiro, a gente chegava no Japão. E eu lhe disse que isso não era possível, que as terras da biquinha já estavam ressecadas demais, e a gente não teria condição de ficar dentro de um buraco por tanto tempo. E imagine, atravessar o mundo não devia demorar menos de um dia. Eu lhe disse que não quereria conhecer, não queria conhecer o Japão.

Mas lhe perguntei de sua vida. Me contou como seu pai veio parar no Brasil, em 1910, num navio Rojun Malucu, Raijun Maruco, Ryojun Marucom, sei lá como se diz, e me parece bastante é difícil. Com uma tal leva de japoneses. Disse que 906 famílias vieram junto, imagine o tanto de gente. E me contou histórias tantas, do navio, de seu pai, que contarei a vós logo em seguida.

Mas o que me alavancou a cabeça foi bem outra coisa que ele falou. Quando lhe perguntei o que era diferente, do Brasil, do Japão, ele me veio com tantas histórias, mas uma específica. Disse o japonês que a maior graça de diferença era que quando o Sol entrava no Brasil, ele tava saindo no Japão.

E foi então que o meu mundo desabou. Como assim, ele sáia no Japão logo quando entrava aqui. Quer dizer que quando a gente morre, a gente vai pro Japão, quer dizer, quer dizer que, que, quando a gente morre, não é bem onde o Sol entra, e aquelas cores tantas, eu já nem sabia mais explicar, eu já nem sabia o que era, eu já nem sabia.

Foi bem neste dia que o mundo fez bananeira, virou de cabeça pra baixo. E o Sol desviou o caminho;
E eu, de pernas pro ar, resolvi caminhar pros lados; ou no ar; ou, simplesmente, não caminhar.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

O Pingo do "i"

A menina ainda era menina, vinda duma parte do mundo que chamavam de fim e ela chamava de inicio. Mas era longe. Longe como bem o pingo. Longe como o pingo no "i", o que é muito mais longe do que longe como bem o pingo da chuva. Pois vir de longe na letra é vir de longe na palavra, o que desemboca numa enroladura que pode se perdurar infinitamente. Já vir de longe na chuva era vir de longe no espaço, caminhar besta que rápido se chega.

A menina era de longe, do fim, do concreto, do mundo. Ela vinha dum mundo que não era mundo, que tinha um chão em que nao se pisava. No mundo, havia palavras, tantas letras, tantas grafias, era tal mundo assim, cheio de conceitos. Um tal mundo de ideias. Um tal mundo que era mundo, mas imaginário. Não de Platao. De Platoua. Ou sem nome. Isso, era um mundo sem nome algum, um não-lugar, ou um lugar em excesso.

Era começo de primavera, mas neste lugar de mundo de fim de espaço não havia chuva, não havia umidade. Havia secura. E, em secura amarga, a menina s'alfabetava. Perdurava-se no alfabeto. AAAAAAh, Bêêêr, Cêêêê. Ela gritava. Ela falava. Ela entendia. E brincava. Aprendia-se do alfabeto. Desenhava estas letras. A. B. C. Demorava-se em cada uma delas. D. E. F. Mordia a língua, assustada com estas linhas tão retas. Tortuava-las artisticamente. G. H. I. O "i", um pingo.

Parou-se, a menina. Deparou-se com um pingo, em meio de tantas securas. Deparou-se com uma certa umidade que podia ser seguida de tantas outras. Tal gota foi como um canto de pássaro permeando o silêncio. E decidiu escrevê-lo de novo. Escreveu. Reescreveu. Fez um I sem gotas, um 'i com duas gotas, um i: com três gotas. Um "i" meio chuvoso.

E sentiu-se um pouco chuvosa, nestes tantos i's neologisticos. Parou-se. Pensou-se. Passou as mãos pelos seus cabelos longos. E com o cair de um fio de cabelo, pulou-se uma idea. Pegar estas letras todas. Pegar estes i's e as alfabetizações. Num conta-gotas.

Percorreu até acha-lo. Quantas gotas caberiam ali. Quantas palavras. Quantas ideias. Quantos cabelos. Quantas garoas. E a menina passou a recolher grafias. Recolhia as vogais, de pés descalços. Para recolher consoantes, se calçava. Recolhia as tintas 'a toa dos pingos dos i's. Gotificava o alfabeto. E nudificou o I de seu pingo.

E ao perceber o conta-gotas cheio de gramáticas, se empolgou com as falas, perfurou o silêncio. Precisava de contar estorias. Precisava se refrescar da secura. Precisava de serventia para aquelas gotas todas. E foi então que as bebeu, as virou todas duma vez. Como num banho. Como numa chuva. Como numa gotificação intensa. E falava feito doida. Perambulava em conversas, soltava as falas todas. Aquelas gotas aguaficavam sua garganta, davam espaço pra estoria, faziam estradas de letras.

E descobriu, então, que as palavras serviam era para refrescar securas.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Perdidices

Eu queria ainda perder os medos,
as palavras,
os anseios.

Eu queria, um dia, perder segredos,
Ensinos,
os erros.

Quereria, mais: perder a rima.
Perder a métricca
.
.
.

Podia querer perder palavras,
exaurir as letras -
gramáticas.

Iria além, perderia o tudo,
perderia o nada,
a angústia, forçada,
por estas tantas
besteiras
cotidianas.

Quereria perder ainda os limites,
a vontade contida,
o medo da morte
a perda perdida.

E, quem sabe, então,
perder
a vida.

sábado, 30 de abril de 2011

Poetagem

Cada passo,
cada espaço,
pedaço.

O detalhe,
as palavras,
as linguagens.

Falar sobre o nada
- como aqui o faço
-Em metalinguagem.

Talvez seja o nada
que é tão bonito.
Enquanto o tudo
é cotidiano.

Talvez o silêncio
seja o preciso,
e o objetivo
de tanta fala.

Verbos, talvez
, sejam coisa nenhuma,
apenas completos,
Apenas
(Sentidos)

Nãoentendendo,
Continuo a propor
conjunções,
verbalizando,
como o Gerúndio,
O silêncio.