quarta-feira, 30 de junho de 2010

Tua presença

E ao entrar em minha casa, sozinho, fechei a porta atrás de mim e, em poucos segundos, deixei-me nu. Sem calças ou calçados, restava-me apenas aquele relógio que eu não ousava tirar - talvez por dó ou por solidão. Liguei a vitrola, que vibrava com a voz de Aretha Franklin, acompanhada de um sax que puxava-me os pêlos da nuca. Sempre fui assim, muito sensível ao não-toque. Mas não era isso que eu queria hoje.
Entrei em meu quarto e liguei a televisão. Deitei-me na cama, a escutar aquelas vozes tantas, Notícias de hoje, Garotinho se lança a deputado federal - puta que o pariu -, Naomi pode depor contra ex-presidente - quem diabos é Naomi -, presos deixam de comer para doar alimentos - que digno. Desligo a televisão. Notícias suficientemente inúteis para o dia. O telefone toca. Deixo tocar. Bip. Pedro, me liga, tô precisando falar com você urgentemente. Bip. Meu bem, vamos combinar mais vezes de ir ao teatro, sinto falta de nossas programações culturais. Bip. Quero sexo, e aí?

Bip.

Essa noite, verei "La dolce vita".
E não será sozinho, pois, quando necessário, continuo inventando a tua presença.

sábado, 26 de junho de 2010

Réquiem - De Mozart á Carrasco


Poeticamente,
Caía-se e
se levantava.
Chorava e
se lastimava:
Vertia lágrimas.

Teatrificamente,
Pendia-se em
cólera e
arrebatava-se
em ira:
Desenlaçava-se
a vida.

Vibrava d´amores,
Enternecia-se em sexo,
Inteirava-se em rezas.
Vivia.
Ou apenas deixava
de morrer.

Alimentava-se
de agudos.
E regurgitava
palavras
orquestrais:
Desvairava-se
em sentireza.

E, desesperada,
arrebatada e
agonizada,
confrontava-se
com o solo,
com Deus e,
no silêncio
de preces,
me arrancava
as lágrimas que,
durante toda a vida,
eu deixei
de chorar.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Platônica Mente

Não me lembro tão claramente de como me apaixonei. Lembro somente de olhares que te jogava durante nossas aulas, e que iludia-me a pensar que retribuías. Trocamos algumas palavras, disses que tinha certeza que eu cantava; eu ri, contido e envermelhado, e disse que não tinha a mesma certeza. Nesse dia, passei a achar que me gostavas. Falei pra ir ver-me algum dia, a tocar.

Fostes.

Deve ter sido nesse dia. Ao musicar, te cantava, e tu m'encantavas. Olhava-te, sozinha na mesa, ao dançar com as mãos e com o cigarro, que fumavas paulatinamente. Eras tão suave que chegavas a ser melodiosa. Nesse dia, sim, foi nesse dia que entendi o quanto te queria por perto. Foi nesse dia que sentou junto a ti um rapaz, que provava a acariciar tuas mãos e te decifrar com os olhos. Ah, sim, e foi nesse dia que, ao entender teus lábios e teus charmes, decidi quanto melhor seria te amar platonicamente.

Nãoentender

Mesitei. Meu corpo, a princípio, não me soube dar resposta: ali estava eu, estática. Fitei-me, lavei-me, deitei-me. E só quando acordei que percebi o peso que estava emcostado a mim. Era amor aquilo ? Era dependência ? Carência, talvez ? Chorei-me de manso.

Estava tão sozinha que só havia um consolo próprio, que consumava-se pelo sono. Não há maior mediocridade do que o sentimento fingido. Mediocridade no sentido abstrato, aliteral, pois não é sentimento comum. Sentimento comum é bonito, nalma, inteligível, apesar de compreensível.

Fiz de ti um retrato que não existe. Tão vistoso em minha concepção. Fiz de teus defeitos paradoxos de tantas cores, e exprimi em teu contorno as suas palavras simplórias: que, em minha atroz paixão, tornei-lhes complexas de simplicidade. Você, que sempre criticou minhas artísticas mentiras, fez-se de si uma. Mas, há pouco, soube violar um pouco de ti em acordes dissonantes. Criei você como se expôs, ao final (que final?), a mim - incômodo.

Saí de casa ( ) de malas e de sentimentos. Deixei a você as sobras do que chamávamos lar. Não sabia bem o que sentia, se é que sentia. Na verdade, o sentimento todo que me impregnava era de desentimento. E eu mal entendia o que era isso, mas trazia-me um alívio incrustado de angústia.

Pus-me então a enfrasear palavras, ritmando-lhes em desversos livres. Eu não entendia, nem me entendia, mas propus-me a poetizar toda aquela in?com!preens?ão. Foi aí que percebi o quão não entender é profundo...

e passei dias nãoentendendo.

Neologismos

[ Sentir é um fato, e por isso vítima de tantos neologismos. Todo fato é imediato. E, para algo imediato, há sempre uma palavra na ponta da língua. Palavra errônea, precipitada, ou inexistente e, tanto por isso, exata. Não há palavra melhor do que palavra inventada.

Se pensares bem, toda palavra já foi um dia um neologismo, logo quando nasceu. Imagino as palavras jogando papo pro ar, "Sinto tanta falta de quando era neologismo. Tão bonita eu era. Tão formosa, pomposa. Tão inédita. Todos me olhavam encantados, esperando alguma surpresa de meu significado". De fato, o neologismo, farto de ingenuidade, poetiza sem querer, e, em sua simplicidade e clareza, pode deixar até os críticos de literatura maravilhados - e olha que esses são difíceis de se agradar.

Há dias -como os de hoje- em que sinto tanto que não adianta eu tentar escrever com palavras pré-inventadas: preciso dos neologismos.]

terça-feira, 15 de junho de 2010

Aulas Déxpressão


Procuro aulas de interpretação,
De olhares, bocas, e corpos,
De lábios, falas e olhos:
Procuro aulas d’expressão.

Procuro alguém que me fale,
O que diz um olhar mais fechado,
Um olhar mais aberto; uma piscadela,
Uma lágrima que cái vazia, de lado.

Não sei se me flertam, se me simpatizam,
Ou se me odeiam, que coisa horrível.
Não sei se se apaixonam, ou só brincam.
Preciso de aulas, o mais rápido possível.

Mas se nessas aulas eu tudo aprender,
Desde olhares à vontade e o querer,
A graça, então, se perde ao tocar.
E a expressão perde todo o sentido.
Pra que foi feito um olhar,
Senão pra ser incompreendido ?
(ou subentendido)

Poesias jogadas em cadernos de oitava série.
Pedro Pinho e Paola Lappicy

terça-feira, 8 de junho de 2010

Faux Intimité

Escondes, discretas e ressoantes:
eram carícias de romance já secreto.
Olhares, ainda que próximos, distantes.
A hipérbole dava-lhes o tom poético.

Encostavam-se os pés e os sexos
Em movimentos de efêmera perenidade,
Envoltos nos lençóis de afagos e beijos,
Cobertos d'uma falsa intimidade.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Poço de Velharias

Provei a incursionar, mais uma vez, num sono já dormido e relembrado. Tornei ao pó rudimentar e passei a enxergar, a um olhar meio empoeirado, um poço de tantas velharias. Encontrei uma moca, daquelas italianas que usávamos pra fazer o café, um violão, algumas canetas e tantas cartas já envelhecidas com letras borradas - não sei se de lágrimas ou do tempo. Sacudi mais a cachola e achei, inundado pelas águas daquele poço, Klimt que adornava as paredes, teus óculos antigos, pesantes, ferrujados, enegrecidos, mas tão bonitos, que lhe engrandeciam os olhos. E por fim, lá estava, uma fotografia já quase rasgada pela Efemeridade - nunca por mim seria -, que restaurei às devidas velhas fôrmas. Era tão gostoso aquele nosso cotidiano...