quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Quando o Mundo Plantou Bananeira

O dia em que o mundo mudou de lugar, foi neste dia. Lá na Biquinha, onde eu nasci, cresci, e achei que ia morrer. Até que veio este dia. Um dia meio aburrecido, meio cabreiro, dum jeito que todo mundo admitia que alguma mudança tava por vir. Talvez não pra todos, mas pra mim foi deste jeito e só.

Lá na Biquinha, interior dos interiores de Minas, a gente não tinha bem uma religião. A nossa religião era bem tudo que a gente acreditava, era o que a gente sabia que havia, que pensava certo. A nossa religião era saber que as folhas eram verdes, e que o céu era uma mistura de cores. A nossa crença era o mundo lá fora; era o quilo de melado que a gente comia 'as 6 da manhã, antes de começar a trabalhar no engenho; era a catapora. A gente sabia que o mundo era assim, deste jeito, e que os erros sempre existiram, desde a pré-história e, pois, sempre existiriam. Pois onde não tem erro, não tem acerto. E um mundo todo desacertado por ser certo, não havia espaço onde coubesse essa trambiqueira toda de cafusidão.

E a minha crença maior, a certeza inquestionável que eu tinha era apenas que o mundo acabava bem onde o Sol entrava. Era longe, isto eu sabia. E por isso sabia do tanto que eu ainda tinha pela frente de caminho. Ali, onde, no final do dia, as cores se misturavam, róseo, azul, amarelo, era bem ali que havia aquele ritual todo para a morte. Todos os dias alguém bem devia morrer e eu não sabia. E tinha dia que era gente tão importante, que o tal 'por-do-sol' se passava por espetáculo.

E foi então que chegou este dia. Eu já havia me tornado caminhoneiro, estava a caminho de Três Corações, cidade considerada pequena, mas que pra mim era grande, quando parei num canto pra dormir, me aconcheguei do lado de um posto, e ao ir pegar a comida do dia, esbarrei com um homem de olhos puxados. Dizia ser japonês. Achei bem que isso era nome. Pedro Japonês. E me explicou que não, que Japão era um país; e que diabos é país, hômi; e me veio explicando, toda a história que ele sabia, e eu pensando ser conversa fiada, mas foi me convencendo aos poucos. Dizia que o Japão era do outro lado da Biquinha. Como se se a gente furasse o mundo, cavasse um buraco na biquinha, e atravessasse o mundo inteiro, a gente chegava no Japão. E eu lhe disse que isso não era possível, que as terras da biquinha já estavam ressecadas demais, e a gente não teria condição de ficar dentro de um buraco por tanto tempo. E imagine, atravessar o mundo não devia demorar menos de um dia. Eu lhe disse que não quereria conhecer, não queria conhecer o Japão.

Mas lhe perguntei de sua vida. Me contou como seu pai veio parar no Brasil, em 1910, num navio Rojun Malucu, Raijun Maruco, Ryojun Marucom, sei lá como se diz, e me parece bastante é difícil. Com uma tal leva de japoneses. Disse que 906 famílias vieram junto, imagine o tanto de gente. E me contou histórias tantas, do navio, de seu pai, que contarei a vós logo em seguida.

Mas o que me alavancou a cabeça foi bem outra coisa que ele falou. Quando lhe perguntei o que era diferente, do Brasil, do Japão, ele me veio com tantas histórias, mas uma específica. Disse o japonês que a maior graça de diferença era que quando o Sol entrava no Brasil, ele tava saindo no Japão.

E foi então que o meu mundo desabou. Como assim, ele sáia no Japão logo quando entrava aqui. Quer dizer que quando a gente morre, a gente vai pro Japão, quer dizer, quer dizer que, que, quando a gente morre, não é bem onde o Sol entra, e aquelas cores tantas, eu já nem sabia mais explicar, eu já nem sabia o que era, eu já nem sabia.

Foi bem neste dia que o mundo fez bananeira, virou de cabeça pra baixo. E o Sol desviou o caminho;
E eu, de pernas pro ar, resolvi caminhar pros lados; ou no ar; ou, simplesmente, não caminhar.

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