segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Manhãs Vadias

Ao escutar algumas destas tuas palavras, me veio em mente o meu rotineiro cotidiano infantil, no qual a terra úmida curava a febre de meus pés que, doentios de euforia, corriam por entre as modorras, fugindo de minhas obrigações cotidianas, em busca de um poço de sombra, ao peso dos troncos silenciosos daquela fazenda. O tempo, versátil e volátil, brincava comigo em minhas manhãs que, vadias, pareciam passar em um piscar de olhos, levadas pelos ventos do sul em meio 'a minha desatenção sonâmbula. Apressava o meu passo para encontrar-te, sempre deitada no mesmo espaço sombrio, em fuga do sol, com os seios infantis voltados para o céu, os olhos fechados e os ouvidos aguçados, atentando o meu respirar. Prolongava-me ali, ao teu lado, segurava a terra junto a ti, como se fôssemos um só corpo e nem mesmo entendêssemos. Silenciaríamos ao som dos pássaros a cantar o nosso amor ainda ingênuo.

E me veio rapidamente esta memória, como um piscar, como um lapso em meio ao teu discurso. Te olho, neste momento, com os olhos cheios de lágrimas, a soluçar angústias, enquanto o pequeno te chama no quarto ao lado. Tuas palavras vociferadas de cólera, o telefone jogado na parede, a irritação que culmina com as tuas palavras - estou esperando mais um filho seu.

Eu gosto de crianças, eu choraria, riria, amaria esta notícia em qualquer outro instante. Sem entender a razão, apreendi o meu vôo fugaz dos cílios, e então me veio este sopro na memória, como uma epifania, de que talvez eu preferisse nosso amor quando a gente ainda não o sabia.

3 comentários:

  1. As letras são sensitivas e senscientes... os simbolistas diriam a enorme influência que eles provocaram... O amor do grande sábio se assemelha ao amor da criança gentil e sem escrúpulos da seleção natural meramente programadora da sobrevivência.

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  2. Texto maravilhoso... Até eu viajei no tempo.

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