sábado, 27 de novembro de 2010

'Eleanor Rigby'

Meus olhos de fatiga, olhos-vira-lata, morimbundos, vagando nos devaneios de minha visão. Meu verbo era o particípio passado, a memória já tragada pelo pensamento. Minhas palavras eram o silêncio. Minha dor era o pretérito, e também o era a minha preocupação. O que viria a ser, o que ainda não houve, o que ainda deve ser pensado - isto não fazia parte de mim. Atravesso a rua. Milhares de carros perambulam em rapidez. As faíscas luminosas dos faróis me arrebatam os olhos como luvas que buscam dor e suor. Perto a mim, um homem de meia-idade, que tocava um violino junto 'a parada, em busca de um trocado para passar a noite.

-All these lonely people - where do they all come from?

De minha casa, tinha passado para buscar dinheiro. Não havia. O meu carro estava quebrado. Sem transporte. Andei até a parada em busca de uma gratuita passagem. Não Circulavam os grandes. Olhei para a tela do celular. O violino começava a me lacrimejar. A chuva me aquecia o corpo. Pensei em ligar para minha irmã - lembro de quando nos falávamos por horas penduradas, nos gostávamos e nos compartilhávamos, e assim o foi até a sagrada instituição familiar nos apartar. Pensei em ligar para os meus pais - não falava com eles desde que saí de casa, obrigada a sair de casa por escolher gostar das coisas que gosto. Pensei em ligar pros amigos - e percebi que não os tinha. E foi então que, apesar de sempre sê-lo, percebi o quanto eu era sozinha. Resolvi, já após dez anos, não inventar a tua presença para me confortar. E comecei a pensar para onde poderia ir.

-All these lonely people - where do they all belong ?

Lugar algum. Não havia propriamente um lugar pra ir - a exaustão passou a me rodear como decorativo. A melancolia passou e me vestir como derradeiro figurino. Não era dia, nem era noite. Era chuva somente, tempestade a qual secava aquela sede que nem mais sentia. Olho a minha volta.

-Ah, look at all the lonely people...

Perambulando num mesmo espaço, caio. E não chego a me levantar. O homem que tocava violino ia-se esvaindo, como se estivesse para finalizar. Fecho os olhos.

-Ah, look at all us lonely...

5 comentários:

  1. Quero segurar a mão desse seu personagem. Vontade de ajudá-lo a levantar do chão e lançar a opção de ser sozinho junto. Ou de estar acompanhado de mentira, ainda que a primeira opção seja melhor. Mas qualquer coisa, pelo menos de pé.

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  2. A intertextualidade inverteu-se, a música inspirou um texto literário. O que na história da arte é tido como um texto inspirar uma obra musical como Don Giovanni. Escreveu este escutando Eleanor Rigby? A solidão fortaleceu-se com a confusão e perdição da sabedoria pela falta de sábios no mundo... Os jovens podem amadurecer e continuar com o engajamento mais poderoso, desde que o processo de amadurecimento não acabe com o viver poético dos primeiros anos e transforme-se no rancor artístico da solitária carnificina do pessimismo morto e do silêncio de metáforas sem universos. A imagética!

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  3. http://www.youtube.com/watch?v=BpoWWnR348M

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  4. Where are you? Em meio aos respingos daquela graroa fina a me adentrar os poros, ia a procura do I inside dos poros meus , consegues adentrar os poros alheios? Meu olhar nao alcancava o tato tao pulsante . Dentro de mim era trovoada de interligacoes magneticas across all of my mind, carregando as gotas garoas entre minhas veias , batendo o chove dos raios em meu coracao. Pulsante, intrigante, ressonante com o imperceptivel - minha Psique- Nao nao estou sozinha sou conjunto sou inteira repartida em milhoes. Em seguida a garoa inundava todo o universo repleto, interdepente, pulsando um pelo outro e todos regentes na busca da bussola estrelar. Where are you? You are inside of every living artistic being. They are around YOU, You é para os outros, I é para vc . Us é Omega.
    Solidao é a propria palavra desencontrada , que o amor faz furtado. Suspiros, quem vou abracar essa noite fitando a Ursa Maior?

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