quinta-feira, 29 de julho de 2010

Passa, trem, passa.


Era tempo de guerra - essa era uma expressão corriqueira no nosso país. As guerras eram intraregionais, todas entre diferentes etnias sul-africanas, e desde que nasci, trinta anos atrás, vivi somente seis meses de paz declarada. Tinha já seis filhos, um deles pequeno o bastante para ainda ser carregado como canguru. Eu o amarrava em minhas costas e o carregava para os trilhos comigo. Ali havia uma enorme concentração de pessoas, esperando para que o trem parasse, e pegássemos algumas reservas de comida. Alguns consideravam aquilo roubo, mas não havia outro modo de conseguirmos comida. Meu filho mais novo ainda não tinha cabelos, assim como eu não mais os tinha, e era de pele negra. Traços bonitos tem o seu filho, falavam alguns fotógrafos que diziam fazer um trabalho social ali pelas nossas terras.

Eram seis horas da manhã, e eu me preparava pra ir aos trilhos. Levantei-me e lavei-me com a água disponível - a qual. há alguns meses, vieram uns homens dizer que estava poluída e a gente não devia beber. Acordei o pequeno, amarrei este em minhas costas e saí em direção aos trilhos para tentar comida. Eu sentia dor, sentia frio, sentia fome e sentia cansaço. Esperava o trem, ele não passava. Sentei-me nos trilhos. Senti um pouco de aflição - o que não era costume, pela exaustão de pensar ou sentir. Chorei uma lágrima de tormento. Passa, trem. Senti vontade de revoltar-me; não conseguia, porém, levantar a voz. Passa logo, trem, passa.. Senti, enfim, um pouco de repugno por mim mesma, por não conseguir me dar - e aos meus filhos - uma vida minimamente digna.

Passa trem. Que vida, passa. Passa, trem. Que, dessa vez, ao invés d'eu te roubar os alimentos, lhe darei um pulo de surpresa e exaustão, e lhe concederei uma vida e meia.

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