Cada pausa da sua fala pro cigarro é pra mim um alívio, um espaço que sobra pra eu poder te escutar. É que eu prefiro escutar os teus silêncios do que as tuas palavras. É que só o teu silêncio tem tido sensibilidade ultimamente. E gosto de escutá-los, prefiro escutá-los do que qualquer coisa que você tem dito nos últimos tempos.
Eu vejo tua boca mexer, enquanto silencio os meus ouvidos. Seus lábios são bonitos, sempre foram, dá vontade de mordê-los, mastigá-los. Presto atenção na tua voz, no teu timbre, pra tentar não entender as letras. Grave. Queria poder um dia, no passado, queria ter podido cantar contigo.
Eu não entendo por quê você ainda quer conversar. Assim, sobre a gente, sobre a nossa relação, sobre o que se passou. Você remói, você tem remoído tudo, cada palavra, cada expressão, e eu não entendo o porquê de se remoer tanto, de se enraivezar, de se roer as unhas até comer os dedos, e pedir explicações. Nem tudo se explica, é o que tenho tentado te dizer. É isto, acho que é isto que tem passado com você: você tem ganhado razão e perdido sensibilidade.
As últimas coisas que eu escutei de você nesta conversa foi, a gente se tem. E são só estas mentiras que você tem dito. A gente não se tem. Eu te amo, eu já te amei muito, mas a gente nunca se teve. Eu nunca tive ninguém. E vou passar minha vida inteira sem ter ninguém. E tomara, eu espero, que ninguém nunca me tenha. E que eu ainda ame muito, pois ainda há muito a se amar. Sempre há.
Enquanto você fala, enquanto eu não te escuto, eu acendo um cigarro para te acompanhar. E, antes de você se levantar e sair, ou se enraivezar por eu não te escutar, e jogar o celular na parede, e soltar lágrimas as quais eu não quero enxugar, eu vou apenas soltar toda esta fumaça. Sem engolí-la. Apenas para sair do hábito.Apenas pra te soltar. Porque chega, já basta de te tragar.