segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Tecidos em gotas

Entro novamente no chuveiro. Aquelas montanhas de água me confortam. Delicadas. Respiro com dificuldade, e vou tentando buscar o ar em meio àquela umidade. Aquelas gotículas vinham de todos os lados, fortes, e quando caiam sobre mim, faziam seus percursos delicadamente, como pequenas partículas me contornando, sem nenhum objetivo, a não ser me contornar, em tantos traços, em pequenos pedaços, escrevendo sobre mim linhas tortuosas. Caíam pelas minhas costas, subiam pelos meus cabelos, como se me desenhassem uma casca, um contorno transparente, translúcido como elas próprias, por entre todo o meu corpo; um contorno que me causava cócegas, me causava ânsia, e cobria-me a me proteger. Aquelas gotas me cobriam como um amontoado de palha, formando em minha volta um ninho, cobriam-me como um amontoado de tecidos bordados em minha pele, e colorindo-me em transparencia; meus olhos se esclareciam, tornando-se embrião, e eu, às escondidas, sentia-me tecendo claritude, em meio a toda aquela escuridao dos confins da terra, escaldada em água, em gotas, tantas pequenas águas que me formavam um útero em volta, fiando-me à renascer. E eu sabia, eu já tinha certeza, de que ao me desgarrar daquele tecido, iria dessa vez pra longe daquele ninho, desprenderia-me de minhas roupas que me tinham sido escolhidas, da casa que me foi dada, dos sermões que me foram escritos para serem seguidos. Desprenderia de uma vez do amor que um dia tive, e que já não existia, pra tecer uma nova estória, deixando aquelas memórias vermelhas nas teias passadas, escrevendo letra por letra neologismos, junto com aquele pedaço de mim que se escondia em meu ventre. Uma filha.

O banheiro...

É felicidade o que me contempla ? É ansia ? É vontade, talvez.

(...) o banheiro é único.

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