segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Restares

Tragava sua dor como um vício que, apesar de oferecer escolha, esbanja unicidade. Em sua realidade morta, quedava-se deitada, olhares ao teto, às paredes, olhares fechados, abertos. Piscares. Passares do tempo. Não sabia mais do que gostava. Lembrava-se de alguns pequenos gostares, apenas. Alguns pequenos prazeres. O barulho de folhas secas quando tocadas, melindradas pesadamente, ou apenas melodiosamente estreitadas com o solo. Ah, sim, gostava também do som do violino, fino, agudo e brando o suficiente para subir-lhe os cabelos do braço - isso! Gostava do arrepio, sim, como gostava daquele ar que se passava timidamente e quase que inesperado pela sua nuca, pelo seu ouvido. Palavras de amor. Gostava destas, quando sussurradas em seu ouvido, de imprevisto. Improviso! Iria atrás de olhares inéditos, de pessoas repentinas; gostava que sua vida se parecesse uma poesia, nada parnasiana, mas mal-acabada, meio que às pressas, ainda que avassaladora.

Silêncio. O jazz que costumava deixar na vitrola foi trocado por Piazzola - horas a fio de um tango que parecia lhe ilustrar a vida - , e posteriormente deixado de lado pelo silêncio. Não se lembrava de como tinha se tornado tão amarga. Talvez teria sido a bebida, que já substituiu a sua alimentação. Bebia para que os outros a esquecessem. E há tempos não comia. Secava-se de fome. No início de seu jejum, definhava-se em sofrimento, desaguava-se em vazios, acabava-se em doses de vodka.

Mas, ainda neste início, apesar de extenuada de ausências e morta de fome, ainda se alimentava de romances. No entanto, agora restavam-lhe apenas memórias.

[Murcha] [Decaída] [Desvigorada]

E os piscares.

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